Golpe de 64: relatórios provam ajuda dos EUA


O Globo - 03/07/07
José Meirelles Passos


Documentos secretos contêm informações sobre participação americana na derrubada de João Goulart da Presidência

WASHINGTON. O mais recente pacote de documentos secretos sobre o Brasil divulgado pelo governo dos Estados Unidos comprova a tese que a viúva do ex-presidente João Goulart, Maria Thereza, e seus dois filhos, João Vicente e Denise, defendem na Justiça brasileira, ao reivindicar R$3,4 bilhões como compensação por danos morais e materiais: a de que o governo americano deu apoio financeiro, material e político ao golpe militar em 1964.

Informes da CIA - a Agência Central de Inteligência -, telegramas do Departamento de Estado, além de documentos e uma gravação atualmente guardados na Biblioteca Lyndon Johnson, no Texas, que foram consultados ontem pelo GLOBO, contêm informações detalhadas sobre a ativa participação do então embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, numa intensa campanha encoberta de intervenção dos EUA.


Essa campanha culminou com o próprio presidente Johnson dando o sinal verde para o apoio à derrubada de João Goulart, como mostra um áudio de quase seis minutos - da Casa Branca - contendo uma conversa telefônica entre ele e o subsecretário de Estado, George Ball. Depois que este lhe fez um resumo sobre a situação no país, Johnson disse:

- Acho que nós devemos dar todos os passos que podemos, e estar preparados para tudo o que precisarmos fazer.

Segundos depois, o presidente Johnson, que estava em seu rancho no Texas, acrescentou uma sugestão para que o golpe fosse exitoso:

- Eu colocaria nisso todo mundo que tem alguma imaginação e engenhosidade - diz ele, mencionando como exemplos o diretor da CIA, John McCone, e o secretário de Defesa, Robert McNamara.

Johnson, referindo-se aparentemente a Goulart, arrematou:

- Nós não podemos tolerar esse aí. Eu investiria tudo nisso (o golpe) e até me arriscaria um pouco (por isso).

Relatórios citam entrega de armas

Até a noite de ontem, Gordon não respondeu às mensagens de voz e e-mail deixadas pelo GLOBO em seu escritório, no Brookings Institution, em Washington, para falar a respeito da ação movida pelos Goulart e de sua participação na conspiração.

Os papéis outrora secretos mostram, por exemplo, a recomendação de Gordon à Casa Branca para "tomar medidas o mais brevemente possível para a entrega clandestina de armas, que não sejam de origem dos EUA, para forças partidárias de Castello Branco em São Paulo". Tais armas, segundo ele, deveriam estar posicionadas "antes do início de qualquer violência".

Tais armas, sugeriu Gordon, deveriam ser desembarcas no litoral sul paulista: "O melhor meio para a entrega agora nos parece ser um submarino sem inscrições, que seria descarregado à noite em locais isolados da costa no Estado de São Paulo, ao sul de Santos, provavelmente perto de Iguape ou Cananéia".

Segundo um despacho, enviado por Gordon em 29 de março de 1964 a Washington, as armas seriam utilizadas por "unidades paramilitares trabalhando com grupos militares democráticos, ou por militares amigos contra militares hostis, se necessário". Gordon, num longo telegrama enviado dois dias antes, já tinha argumentado que "para minimizar as possibilidades de uma prolongada guerra civil e assegurar a aderência de grande número de partidários de última hora", os EUA deveriam fazer "uma demonstração de força com grande rapidez". Isso, afirmou "pode ser crucial".

Por isso, Gordon sugeriu o envio de uma força-tarefa naval para manobras no Atlântico Sul, "trazendo a frota para uma distância de poucos dias de Santos". E completou: "Um porta-aviões seria mais importante para efeito psicológico". O embaixador reforçou a solicitação garantindo: "Essa mensagem não é uma reação alarmista ou de pânico em relação a qualquer episódio. Ela reflete conclusões conjuntas dos mais altos funcionários dessa embaixada com base numa cadeia de ações e informações de inteligência".

O seu pedido foi aceito exatamente no dia em que o golpe militar foi desfechado. A Casa Branca ainda não sabia sobre a deflagração do golpe quando o Pentágono e a CIA enviaram a Gordon, através do Departamento de Estado, um telegrama contando que estavam despachando para as vizinhanças de Santos um porta-aviões, dois destróieres com mísseis guiados, outros quatro destróieres, duas escoltas de destróieres, navios-tanque, e cerca de 110 toneladas de munição e bombas de gás para controle de massas, e gasolina. "O transporte aéreo (para Campinas) será feito entre 14 e 36 horas", dizia o despacho, "e envolverá dez avios de carga, seis aviões-tanque e seis caças".

Gordon queria mais dinheiro

O embaixador Gordon notificou a Casa Branca de que, enquanto as armas não chegavam, adotou "medidas complementares com os recursos disponíveis para ajudar as forças de resistência", e que eventualmente precisaria de mais dinheiro além do que já havia gasto nessa campanha. "As medidas incluem apoio encoberto para manifestações de rua e incentivo ao sentimento democrático e anticomunista no Congresso, nas Forças Armadas, nos sindicatos amigos, na Igreja e entre empresários. Podemos vir a requisitar um modesto fundo suplementar para outras operações encobertas no futuro".


O Globo – 03/07/07
José Meirelles Passos


Documentos secretos contêm informações sobre participação americana na derrubada de João Goulart da Presidência

WASHINGTON. O mais recente pacote de documentos secretos sobre o Brasil divulgado pelo governo dos Estados Unidos comprova a tese que a viúva do ex-presidente João Goulart, Maria Thereza, e seus dois filhos, João Vicente e Denise, defendem na Justiça brasileira, ao reivindicar R$3,4 bilhões como compensação por danos morais e materiais: a de que o governo americano deu apoio financeiro, material e político ao golpe militar em 1964.

Informes da CIA – a Agência Central de Inteligência -, telegramas do Departamento de Estado, além de documentos e uma gravação atualmente guardados na Biblioteca Lyndon Johnson, no Texas, que foram consultados ontem pelo GLOBO, contêm informações detalhadas sobre a ativa participação do então embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, numa intensa campanha encoberta de intervenção dos EUA.


Essa campanha culminou com o próprio presidente Johnson dando o sinal verde para o apoio à derrubada de João Goulart, como mostra um áudio de quase seis minutos – da Casa Branca – contendo uma conversa telefônica entre ele e o subsecretário de Estado, George Ball. Depois que este lhe fez um resumo sobre a situação no país, Johnson disse:

– Acho que nós devemos dar todos os passos que podemos, e estar preparados para tudo o que precisarmos fazer.

Segundos depois, o presidente Johnson, que estava em seu rancho no Texas, acrescentou uma sugestão para que o golpe fosse exitoso:

– Eu colocaria nisso todo mundo que tem alguma imaginação e engenhosidade – diz ele, mencionando como exemplos o diretor da CIA, John McCone, e o secretário de Defesa, Robert McNamara.

Johnson, referindo-se aparentemente a Goulart, arrematou:

– Nós não podemos tolerar esse aí. Eu investiria tudo nisso (o golpe) e até me arriscaria um pouco (por isso).

Relatórios citam entrega de armas

Até a noite de ontem, Gordon não respondeu às mensagens de voz e e-mail deixadas pelo GLOBO em seu escritório, no Brookings Institution, em Washington, para falar a respeito da ação movida pelos Goulart e de sua participação na conspiração.

Os papéis outrora secretos mostram, por exemplo, a recomendação de Gordon à Casa Branca para “tomar medidas o mais brevemente possível para a entrega clandestina de armas, que não sejam de origem dos EUA, para forças partidárias de Castello Branco em São Paulo”. Tais armas, segundo ele, deveriam estar posicionadas “antes do início de qualquer violência”.

Tais armas, sugeriu Gordon, deveriam ser desembarcas no litoral sul paulista: “O melhor meio para a entrega agora nos parece ser um submarino sem inscrições, que seria descarregado à noite em locais isolados da costa no Estado de São Paulo, ao sul de Santos, provavelmente perto de Iguape ou Cananéia”.

Segundo um despacho, enviado por Gordon em 29 de março de 1964 a Washington, as armas seriam utilizadas por “unidades paramilitares trabalhando com grupos militares democráticos, ou por militares amigos contra militares hostis, se necessário”. Gordon, num longo telegrama enviado dois dias antes, já tinha argumentado que “para minimizar as possibilidades de uma prolongada guerra civil e assegurar a aderência de grande número de partidários de última hora”, os EUA deveriam fazer “uma demonstração de força com grande rapidez”. Isso, afirmou “pode ser crucial”.

Por isso, Gordon sugeriu o envio de uma força-tarefa naval para manobras no Atlântico Sul, “trazendo a frota para uma distância de poucos dias de Santos”. E completou: “Um porta-aviões seria mais importante para efeito psicológico”. O embaixador reforçou a solicitação garantindo: “Essa mensagem não é uma reação alarmista ou de pânico em relação a qualquer episódio. Ela reflete conclusões conjuntas dos mais altos funcionários dessa embaixada com base numa cadeia de ações e informações de inteligência”.

O seu pedido foi aceito exatamente no dia em que o golpe militar foi desfechado. A Casa Branca ainda não sabia sobre a deflagração do golpe quando o Pentágono e a CIA enviaram a Gordon, através do Departamento de Estado, um telegrama contando que estavam despachando para as vizinhanças de Santos um porta-aviões, dois destróieres com mísseis guiados, outros quatro destróieres, duas escoltas de destróieres, navios-tanque, e cerca de 110 toneladas de munição e bombas de gás para controle de massas, e gasolina. “O transporte aéreo (para Campinas) será feito entre 14 e 36 horas”, dizia o despacho, “e envolverá dez avios de carga, seis aviões-tanque e seis caças”.

Gordon queria mais dinheiro

O embaixador Gordon notificou a Casa Branca de que, enquanto as armas não chegavam, adotou “medidas complementares com os recursos disponíveis para ajudar as forças de resistência”, e que eventualmente precisaria de mais dinheiro além do que já havia gasto nessa campanha. “As medidas incluem apoio encoberto para manifestações de rua e incentivo ao sentimento democrático e anticomunista no Congresso, nas Forças Armadas, nos sindicatos amigos, na Igreja e entre empresários. Podemos vir a requisitar um modesto fundo suplementar para outras operações encobertas no futuro”.

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