Há 55 anos atrás, em 1968, a polícia matava a tiro o estudante secundarista Edson Luís de Lima Souto


Oswaldo Maneschy
31/03/2023

Morte de Edson Luís marcou o início das manifestações contra a ditadura que reagiu decretando o AI-5 no dia 13 de dezembro de 1968

Há 55 anos atrás, no dia 28 de março de 1968, tropas da Polícia Militar do Rio de Janeiro dispersaram a tiros um protesto de estudantes contra o preço alto e a má qualidade da comida servida no restaurante Calabouço, no Centro do Rio, próximo ao aeroporto Santos Dumont, direcionado para estudantes pobres. Quando cessaram os tiros estava caído no chão, morto com uma bala no peito, o secundarista Edson Luís de Lima Souto, de 18 anos de idade.

Além de Edson, estava gravemente ferido um outro estudante, Benedito Frazão Dutra, que chegou a ser hospitalizado, mas morreu dias depois. Também foram hospitalizados, feridos, outros cinco manifestantes: Telmo Matos Henriques, Antônio Inácio de Paulo, Walmir Gilberto Bittencourt, Olavo de Souza Nascimento e Francisco Dias Pinto.

O assassinato de Edson Luís marcou o início das turbulentas manifestações de rua contra a ditadura militar que ocorreram ao longo do ano de 1968, ditadura que se instalara no país quatro anos antes, no dia 1º de abril de 1964, após a deposição do presidente constitucional João Goulart, herdeiro político do presidente Getúlio Vargas.

Como resposta à intensa mobilização a ditadura  endureceu ainda mais a repressão política culminando com a decretação do AI-5 no dia 13 de dezembro de 1968, data que marcou o início dos anos de chumbo, anos de torturas, assassinatos políticos e perseguições.

No dia da morte Edson Luiz, temendo que a polícia desaparecesse com o corpo, os estudantes do Calabouço não permitiram que ele fosse levado para o Instituto Médico Legal (IML) e, em passeata, levaram Edson Luís até a Assembleia Legislativa, onde o velaram. A polícia não ousou invadir o prédio, tomado por milhares de estudantes e a autópsia precisou ser feita no local do velório, na presença do então secretário estadual de Saúde.

O Rio de Janeiro parou no dia seguinte, dia do enterro, em féretro acompanhado por imensa multidão que seguiu do Centro da cidade até o cemitério de São João Baptista, em Botafogo, com as pessoas atirando papel picado dos prédios – em apoio aos estudantes e contra a repressão.  Edson Luís foi enterrado ao som do Hino Nacional Brasileiro, cantado pela multidão.

Na manhã de 4 de abril foi realizada missa na Igreja da Candelária em sua memória, mas após o término da missa, as pessoas que deixavam a igreja foram cercadas e atacadas pela cavalaria da Polícia militar com golpes de sabre. Dezenas de pessoas ficaram feridas.

A morte de Edson Luís inspirou, entre outras músicas, a canção  “Coração de Estudante”, de Wagner Tiso e Milton Nascimento; e também “Menino”, gravada no álbum Geraes (1976) de Milton Nascimento e também cantada também por Elis Regina.

A violenta repressão policial às manifestações estudantis que ocorreram em todo o país foram a motivação da chamada “Passeata dos 100 mil”, ocorrida em 26 de junho de 1968, também no Rio de Janeiro, que contou com a participação de artistas, intelectuais e de vários outros setores da sociedade brasileira – todos unidos contra a repressão da ditadura.

No início de junho de 1968, o movimento estudantil começou a organizar um número cada vez maior de manifestações públicas. No dia 18, uma passeata, que terminou no Palácio da Cultura, resultou na prisão do líder estudantil, Jean Marc von der Weid.  No dia seguinte, o movimento se reuniu na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) para organizar novos protestos e pedir a libertação de Jean e de outros alunos presos. Mas o resultado foi a detenção de 300 estudantes. No dia 21 de junho, uma manifestação estudantil em frente ao edifício do Jornal do Brasil gerou um conflito que terminou com três mortos, dezenas de feridos e mais de mil prisões. Aquele dia ficou conhecido como “Sexta-feira sangrenta”.

Diante da repercussão negativa do episódio, o comando militar acabou permitindo a “Passeata dos 100 Mil”, vigiada em todo o seu percurso – da Cinelândia à Candelária, por cerca de 10 mil policiais “prontos para entrar em ação se necessário”, segundo o chefe da polícia. Mas ela foi pacífica, sem repressão. Artistas como Eva Wilma, Tônia Carrero, Odete Lara, Norma Bengell e Cacilda Becker se somaram aos estudantes, protestando contra a ditadura. Uma enorme faixa, com os dizeres “Abaixo a Ditadura. O povo no poder”, abria a manifestação.

Nos outros estados, os protestos estudantis ampliaram seu nível de organização e mobilização, como em Goiás, onde a polícia baleou quatro estudantes. Mas à medida que cresciam as manifestações contra a ditadura, também crescia a ação repressiva do governo militar.

No dia 2 de agosto, Vladimir Palmeira foi preso. Logo em seguida, outros 650 estudantes foram para a cadeia. No dia 4 de agosto, 300 alunos foram detidos em São Paulo.  Em 12 de outubro, quase mil estudantes foram detidos em Ibiúna, no interior de São Paulo, em um congresso clandestino da União Nacional dos Estudantes (UNE) que mereceu capa da revista “Veja”, recém lançada, com os dizeres “Todos Presos”.

Engano: apesar da crescente repressão policial, as manifestações estudantis continuaram por todo o país, contestando a ditadura militar, até que a 13 de dezembro de 1968, aumentando ainda mais a repressão política, a ditadura promulga o AI-5 (Ato Institucional nº 5), marcando nova fase da ditadura, os chamados “anos de chumbo”.

O AI-5, com 12 artigos, trouxe mudanças radicais para o país como o fechamento do Congresso Nacional, autorizando a decretação do estado de sítio por tempo indeterminado, pessoas serem sumariamente demitidas do serviço público, suspensa a garantia de habeas corpus em casos de crimes políticos. Através dele a ditadura também passou a ter o poder de confiscar bens privados, intervir em todos os estados e municípios, prender quem achasse necessário.

Por meio do AI-5, a Ditadura Militar iniciou o seu período mais rígido de censura aos meios de comunicação, também recorrendo a assassinatos e a tortura física indiscriminada contra homens, mulheres e até crianças – como prática comum dos agentes da repressão.

 

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