100 anos de Darcy


MPTE-RJ
26/10/2022

Como antropólogo, defensor dos índios; como educador, defensor da escola pública, gratuita e de qualidade, para todos.

“A rica direita brasileira, desde sempre no poder, sempre soube, aqui ou lá fora, dar a melhor educação a seus filhos. Aos pobres dava a caridade educativa mais barata que pudesse, indiferente à sua qualidade. De fato, nunca quis dar ao povo aquela atenção escolar minimamente necessária para a alfabetização generalizada. Não tinha para isso a inspiração luterana de ensinar a ler para rezar nem a napoleônica de formar a cidadania”. Darcy Ribeiro, 1995.

Darcy não era um. Era muitos. Como antropólogo, defensor dos índios; como educador, defensor da escola pública, gratuita e de qualidade, para todos. Como escritor, pensador, romancista e poeta. Como político, ministro da Casa Civil e de Educação no governo trabalhista do presidente João Goulart (1961-1964); vice-governador e secretário de Ciência e Cultura do estado do Rio de Janeiro no primeiro governo Brizola (1983-1987); Senador da República eleito em 1990 pelo PDT; e novamente secretário Extraordinário do estado do Rio de Janeiro no segundo governo Brizola (1991-1995). 

Esse mineiro de Montes Claros, órfão de pai aos 3 anos, criado por uma dessas valentes mães do Brasil, teve a trajetória marcada por uma profunda fé na mistura de raças que formou “O povo brasileiro”, aliás, nome da sua última obra (escrita enquanto lutava contra o segundo câncer que o vitimaria em 1997). Mas do que ele se orgulhava mesmo era dos seus “fazimentos”. Pensou e fundou a Universidade de Brasília em 1961, assim como a Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) em 1994. Concebeu, ainda, o Consórcio Cederj, cujo objetivo primordial era formar professores longe dos grandes centros urbanos, com a oferta de licenciaturas na modalidade a distância pelas universidades públicas do estado do Rio de Janeiro. Projeto esse que só saiu do papel após sua morte. Em âmbito nacional, deixou sua marca na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), popularmente conhecida como Lei Darcy Ribeiro, que estabelece princípios para e organiza a educação básica em todo o território nacional. Durante o exílio forçado pelo Golpe Militar de 1964, colaborou com diversas universidades e governos pela América Latina afora, “A pátria grande”, nome de outra de suas obras. 

Foi justamente no seu retorno ao Brasil, que se juntaria a Leonel Brizola no grande projeto da vida de ambos. Os Centros Integrados de Educação Pública, os CIEPs, modelo de escola do educador Anísio Teixeira adaptado para as condições daquele estado do Rio de Janeiro pós-Ditadura Militar: alto índice de pobreza, carência de oferta de vagas na rede pública de ensino, altas taxas de abandono escolar e, consequentemente, um grande contingente de crianças vivendo na rua. Uma escola pensada para atender o filho do trabalhador que não tem com quem deixar os seus filhos durante a labuta. Os CIEPs acolhiam esta criança às oito horas, servindo-lhe o café da manhã. No primeiro turno, aulas regulares de português, matemática, ciências, etc. Pausa para o almoço. À tarde, além das aulas de reforço, onde as crianças se livravam do “dever de casa”, pesadelo dos pais, muitas atividades esportivas e culturais (teatro, dança, etc.). Um banho para finalizar e as crianças estavam liberadas às dezessete horas para voltar ao convívio da família. 

Infelizmente, esta escola civilizatória e popular sofreu os ataques mais vis dos inimigos de sempre, os “senhores de engenho”. Ela, no entanto, se manteve viva na memória e no coração dos fluminenses. Assim como a figura de Darcy Ribeiro, que neste seu centenário, nós do Movimento Trabalhista pela Educação (MTPE) e do Partido Democrático Trabalhista, o PDT, celebramos como um dos grandes brasileiros da História do Brasil.

“Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”. Darcy Ribeiro, ao receber o título de doutor honoris causa da Universidade de Sorbonne, em 1978.

*Por Rodrigo Trivellato e arte de Caio Souto, membros do Movimento Trabalhista Pela Educação (MTPE) do Rio de Janeiro.

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