O impressionante caso do vice-almirante Othon Pinheiro


José Álvaro de Lima Cardoso
13/01/2023

O estrago feito a partir do governo Michel Temer foi generalizado

A prisão do vice-almirante Othon pela Lava Jato  é prova da tentativa de impedir domínio soberano do Brasil sobre a energia nuclear

As dificuldades que o país está atravessando, especialmente os problemas de fome e empobrecimento da classe trabalhadora, requerem medidas urgentes que ampliem, inclusive, a base de apoio ao governo eleito. Nesse quadro muito complexo, assistimos a uma espécie de “esquecimento” de fatos importantes do golpe de 2016 e a uma responsabilização exclusiva do governo Bolsonaro por todas as mazelas do Brasil. Essa atitude é um desserviço à precisão dos acontecimentos fundamentais no país nos anos recentes, o que o pode trazer nada de positivo.

O estrago feito a partir do governo Michel Temer foi generalizado e impactou fortemente a renda da população e a soberania do país. As imensas dificuldades com as quais o governo Lula está se deparando para enfrentar os principais problemas nacionais (o devemos contar com facilidades, como mostraram os acontecimentos de domingo, dia 08)), o m a ver exclusivamente com os estragos do governo Bolsonaro, mas com o conjunto das políticas do golpe. Por exemplo, um dos obstáculos para a adoção de um salário-nimo com um ganho real mais significativo (que seria fundamental neste momento) é o chamado Teto de Gastos, uma das primeiras medidas do golpista Michel Temer, adotada ainda em dezembro de 2016, apenas alguns meses após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

Nesse quadro complexo e perigoso, é importante resgatar o caso do vice-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, porque ele se conecta com uma rie de acontecimentos atuais, cuja compreensão requer informações prévias recentes. A prisão do almirante foi tramada pelo Departamento de Estado norte-americano em função da importância histórica que o militar tem no desenvolvimento da tecnologia nuclear do Brasil, área estratégica para a conquista da soberania energética. Diálogos denunciados pela Vaza Jato em 2019 demonstraram que a prisão do almirante Othon da Silva, foi também tramada entre rgio Moro e os procuradores da Lava Jato. 

Tais diálogos, juntamente com rios outros divulgados à época, o simplesmente estarrecedores. Eles acabaram por desmascarar o caráter golpista e entreguista da operação Lava Jato, mostrando que esta operação foi armada fora, ou seja, foi uma ação do imperialismo.

Com o desenrolar dos acontecimentos, e a revelação de que a Lava Jato foi, do ponto de vista econômico, fundamentalmente uma operação para roubar o petróleo do pré-sal brasileiro, ficou evidente que um dos alvos do golpe foi a tentativa de sabotar os esforços do Brasil para forjar sua soberania energética. Que é simplesmente um pré-requisito para o desenvolvimento econômico-social. É bom sempre considerar que sem energia o existe desenvolvimento. o por acaso, os EUA destroem países para se apoderar de fontes de petróleo, como fizeram no Iraque, ria e outros.

Dentre as razões do envolvimento dos EUA no golpe no Brasil, como se sabe, está o interesse na ampliação do acesso às matérias-primas existentes no país. Apesar do interesse nas reservas do pré-sal ter sido central no golpe, o se trata apenas de petróleo. Água, minerais em geral e toda a biodiversidade da Amazônia estão em jogo. Por isso, também, é uma investida sobre toda a América do Sul, mesmo porque algumas questões, como o acesso ao Aquífero Guarani, o se resolvem no âmbito de um país.

Como estamos passando neste momento por um esquecimento dos detalhes do golpe recente, vale lembrar que em 2018 surgiu a denúncia (muito provável que seja verdadeira) de que o governo Temer estaria negociando a privatização do Aquífero Guarani com empresas multinacionais, principalmente a Nestlé. Como é conhecido, o Sistema Aquífero Guarani é uma das maiores reservas subterrâneas de água do mundo, contendo 1,2 milhão de quilômetros quadrados de extensão, divididos entre Brasil (detentor de 840 mil KM quadrados), Argentina, Uruguai e Paraguai.

A história do vice-almirante está diretamente relacionada ao programa nuclear brasileiro. Ele é considerado um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento de um tipo de tecnologia para enriquecimento de urânio chamada de ultracentrifugação, que possibilitou ao país o domínio de toda a cadeia produtiva da energia nuclear. De acordo com a World Nuclear Association, além do Brasil, apenas mais 12 países possuem instalações de enriquecimento de urânio: França, Alemanha, Holanda, Reino Unido, Estados Unidos, China, ssia, Japão, Argentina, Índia, Paquistão e Irã (dados de 2021). O Brasil é o detentor da sexta maior reserva de urânio do mundo, cadeia produtiva que movimenta, anualmente, cerca de US$ 250 bilhões em escala global.

Graças à tecnologia de ultracentrifugação foi possível começar a construir no Brasil o submarino de propulsão nuclear e o abastecimento das usinas nucleares atualmente existentes no Brasil. O almirante Othon recebeu todas as honrarias possíveis das Forças Armadas e é considerado um patriota e herói brasileiro. A história irá nos esclarecer ainda muita coisa, pois o processo golpista ainda está em andamento, e muitos detalhes irão surgir. Mas, como afirmávamos em 2015, a alegação dos conspiradores da Lava Jato, da hipótese de corrupção, o combinava com a destacada biografia do almirante Othon em prol da soberania energética do Brasil.

Para entender o caso do almirante Othon é fundamental considerar que a Lava Jato utilizou largamente a seu favor, dentre outras coisas, a desconstrução, via meios de comunicação, da reputação dos seus acusados. Isso ocorreu com inúmeros casos, desde o início da Operação. Basta ver o que fizeram com a reputação do presidente Lula, principal alvo individual da Operação, que foi condenado sem provas.

O Brasil, com a liderança e a experiência do vice-almirante, vinha desenvolvendo um programa nuclear muito bem-sucedido com tecnologia de ponta e isso incomodou o imperialismo norte-americano, que o admite que outros países dominem esse tipo de tecnologia, especialmente no continente americano. Conforme muitas indicações, o programa nuclear brasileiro foi objeto de espionagem por parte dos norte-americanos, que esperaram a melhor hora para inviabilizar a sua continuidade.

O golpe de Estado de 2016, além do aspecto de apropriação das riquezas naturais do Brasil, e de suas estatais estratégicas, teve o componente geopolítico essencial de impedir que o país se tornasse uma potência regional, com tecnologia, indústria desenvolvida, mercado consumidor amplo e soberania energética. Fatiar a Petrobrás, inviabilizar o programa nuclear brasileiro, torpedear outras iniciativas de soberania, e destruir setores econômicos que concorriam com as empresas estadunidenses (como a construção civil) o momentos-chaves deste script terrivelmente perverso, que foi em boa parte cumprido, ainda que de forma o linear e com forte resistência de setores esclarecidos e combativos.

Os EUA m uma necessidade dramática de fontes de suprimentos de energia, que é o maior consumidor de petróleo do mundo, mas o produz em quantidade suficiente para suas necessidades. O petróleo barato de se produzir, como nos ensinam os especialistas, o tem nenhum substituto. Ele acabou, e o mundo algum tempo sofre as consequências políticas, sociais e militares desse problema. Com o golpe de 2016 e a prisão do vice-almirante1, o projeto de submarino à propulsão nuclear está em banho-maria, ao que se tem notícias. Especialistas consideram que esse é o projeto militar mais importante no país, neste momento.

Com a descoberta do pré-sal e a necessidade de proteção à chamada Amazônia Azul, o projeto tornou-se ainda mais fundamental e deveria ser retomado com determinação pelo governo atual. o 7,4 mil quilômetros de costa, que fornece ao país a jurisdição de 3,5 milhões de quilômetros quadrados (km2) de espaço marítimo. O nome Amazônia Azul o é casual, mas ilustra o volume de riquezas naturais e minerais abundantes que possui a área. A história mostra que um país que dispõe de recursos dessa magnitude (dos mais importantes do mundo) o deve facilitar, mas se preparar para o pior, mesmo que espere o melhor, como sugere o ditado chinês. Quem considerar que esse receio é uma “teoria da conspiração” deveria aprofundar um pouco seus estudos sobre o golpe sofrido recentemente pelo Brasil.

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