Paulo César Lima: “Brasil dobrará produção, mas continuará sem gás”


Osvaldo Maneschy
30/05/2022

Custo nacional é dez vezes superior ao praticado na Rússia

A produção de gás, no Brasil, passará dos atuais 137 milhões de metros cúbicos por dia (m³/d) para 277 milhões de m³/dia. O aumento, porém, não significará maior oferta no mercado, já que o gás extraído nos campos do pré-sal continuará a ser reinjetado nos poços, sem chegar ao mercado consumidor. Apenas 50 milhões de m³/dia são distribuídos.

“Produção é muito diferente de oferta”, salienta o especialista em petróleo e gás Paulo César Ribeiro Lima, que participou na última terça-feira (24) de audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado sobre a crise no mercado de fertilizantes.

Ex-funcionário da Petrobras e ex-consultor legislativo, Lima afirma que as companhias de petróleo – inclusive a estatal brasileira – atuam conforme o valor presente líquido (VPL) e não têm interesse econômico em aproveitar o gás e transportá-lo até o continente. Isso só ocorrerá se a regulamentação obrigar. Mas o órgão regulador – a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) – não atua nesse sentido.

Recentemente, a ANP aprovou o modelo de exploração do primeiro módulo do campo de Bacalhau apresentado pela estatal norueguesa Equinor em que 100% do gás extraído será reinjetado nos poços. Ao contrário do campo de Libra, onde a associação com CO2 possibilita o argumento de que a produção é cara, em Bacalhau o gás é livre dessa associação.

Ribeiro Lima apresentou uma tabela com os preços do gás em diversos países. Na Rússia, é de US$ 0,006/Kwh. No Brasil custa 10 vezes mais: US$ 0,068/Kwh. Nos Estados Unidos, o valor é de US$ 0,036/Kwh.

Para as famílias, o preço do gás natural no Brasil é o maior do ranking de 45 países da Global Petrol Prices: US$ 0,183/Kwh. Na Argentina, esse valor é de apenas US$ 0,008/Kwh.

Sem gás em quantidade e a custo acessível, o Brasil não conseguirá produzir internamente os fertilizantes nitrogenados necessários para sustentar a produção de commodities no campo. Na audiência na CAE, Paulo Roberto Huertas Arnaez, diretor-executivo da Unigel, concordou que o valor do gás é um empecilho.

A Unigel é uma empresa privada da área petroquímica e arrendou unidades de fertilizantes nitrogenados (Fafens) da Petrobras no Nordeste quando a estatal suspendeu a produção de amônia, essencial para o negócio da Unigel. Hoje, é a maior produtora de nitrogenados do País.

Os números apresentados por Arnaez corroboram o que Ribeiro Lima falou. O custo do gás natural no Brasil alcança US$ 15 por milhão de btu, ante US$ 1 na Rússia e US$ 7 nos EUA.

O diretor-executivo da Unigel disse que é preciso investir para aumentar a logística/transporte de gás produzido no Brasil, com mais terminais de regaseificação, mais gasodutos e mais UPGNs (Unidade de Processamento de Gás Natural). Isso só acontecerá, conforme análise do especialista Ribeiro Lima, se a legislação e a regulamentação mudarem.

Botjão poderia custar metade do preço

A Petrobras poderia alterar sua política de preços sem causar prejuízo a nenhum dos setores envolvidos e assim beneficiar o consumidor, afirmam, em síntese, o economista Eduardo Costa Pinto e o engenheiro Fernando Siqueira. Eles participaram de debate que integra uma série promovida pelo site Outras Palavras, sobre os rumos da empresa.

Para Siqueira, da Associação dos Engenheiros na Petrobras (Aepet), entre as estratégias para enfraquecer a companhia, a atual política de preços (PPI) é de desmoralização. “Para jogá-la contra a opinião pública e justificar sua privatização”, afirma. Segundo ele, a distribuição dos preços é “imoral”, assim como o lucro nos últimos anos.

De acordo com o engenheiro, no caso do GLP (gás de cozinha), por exemplo, a Petrobras ficava com 32%, os impostos correspondiam a 18% e a parte do revendedor, a 50%.

“Absurdo, imoralidade total. Aí eles mexeram, reduziram a participação da distribuidora de 50 para 38, altíssimo ainda, e na Petrobras, que era 32, passou para 48, 49. A Petrobras absorveu a imoralidade. Se fossem cobrados preços corretos, o botijão poderia estar na faixa de R$ 60 e ainda daria muito lucro para todo mundo”, critica Siqueira.

Com média de R$ 114, aproximadamente, o botijão chega a custar até R$ 160. A situação vale também para o diesel, cujo lucro ele também chama de “imoral”. Ou com a gasolina, acrescenta, cuja parte da Petrobras é de 38,5%.

“Mas tem um detalhe: em cada litro, a Petrobras coloca 73% de gasolina, 27% é etanol. Então, está recebendo 2,81 por 70% de um litro, o que corresponde a um valor de R$ 3,84, que custa R$ 1,30. É um ganho também extremamente alto, que não condiz com a condição de uma empresa estatal criada com fins sociais, depois do maior movimento cívico da história do nosso país. É uma crime de lesa-pátria, para que a população se indigne e torça para que ela seja privatizada.”

Ele lembra que a Petrobras importa combustíveis, mas exporta petróleo sem imposto. “A Lei Kandir isenta imposto de exportação do petróleo, o que é uma imoralidade. Petróleo não precisa de incentivo, o mundo inteira quer. Reduzir o preço só tem um problema: pode incentivar exportação. Mas a Dilma sustentou o preço interno quando o petróleo foi a US$ 140 o barril e não teve problema nenhum”, argumentou o diretor da Aepet.

Com “a maior geração de caixa da história” e sem ociosidade, acrescentou, as vendas cresceram. Ele acredita que o preço poderia cair “bem mais de 20%, sem ferir lucratividade, sem causar perda pra ninguém. Porque recebe R$ 2,81 por litro, mas não fornece um litro integral”.

Siqueira contesta ainda afirmações do atual presidente da República.

“Todos os países monopolistas têm preços muito menores do que onde as empresas são privadas. É uma diferença imensa. (…) É fácil reduzir a um preço racionalmente bom, que não penalize nenhum dos participantes e dê um lucro razoável, para que a Petrobras possa investir no pré-sal.”

Fontes: Monitor Mercantil e CNN

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