“Mortes anunciadas: até quando?”, por Chico D’Angelo


Chico D'Angelo
Chico D'Angelo
25/03/2022

Na Serra Fluminense, a crônica de tragédias se repete com constância assombrosa. Ainda é viva a lembrança, por exemplo, da catástrofe que destruiu Nova Friburgo e deixou um número oficial de 918 mortos. Dois anos depois, ainda havia o registro de 165 desaparecidos

O verão terminou, e, infelizmente, deixou de novo um rastro de destruição causado pelas chuvas na Serra Fluminense, que dessa vez atingiu com mais intensidade a cidade de Petrópolis. O município, diga-se de passagem, continua contando mortos e desabrigados, em um drama que cada vez mais vai perdendo espaço na mídia para outros crimes e tragédias que se acumulam. Não podemos, todavia, esquecer.

A crônica de catástrofes que as chuvas produziram na cidade do Rio de Janeiro e nas cidades do estado é antiga e recorrente. O problema não se restringe à Região Serrana. Na capital há relatos de chuvas que causaram morte e destruição em 1811, 1854, 1864, 1897, 1904, 1906 (parte dos morros de Santa Teresa, Santo Antônio Gamboa foram arrasados pelas águas), 1924, 1966, 1967 (com mais de 200 mortos), 1988 (com 289 mortos).

Na Serra Fluminense, a crônica de tragédias se repete com constância assombrosa. Ainda é viva a lembrança, por exemplo, da catástrofe que destruiu Nova Friburgo e deixou um número oficial de 918 mortos. Dois anos depois, ainda havia o registro de 165 desaparecidos.

Especialistas costumam apontar diversas razões para os repetitivos danos causados pelas chuvas. Eles envolvem desde a urbanização caótica e desenfreada – resultado da incompetência e, muitas vezes, do desinteresse do poder público em resolver de forma socialmente comprometida o drama do inchaço das grandes cidades e da moradia -, até o aquecimento do planeta, fato que gera a ocorrências extremas mais frequentes e de maior amplitude. O negacionismo em relação ao aquecimento global já adquire ares de verdadeira tragédia.

Há anos especialistas alertam para a necessidade de políticas de prevenção que devem começar bem antes do verão. A hora de trabalhar para que o próximo verão não repita fatos similares é agora. Segundo o professor Antônio Guerra, do Departamento de Geografia da UFRJ, não é apenas a alta intensidade e a concentração das chuvas que explica a tragédia. O mau uso do solo, o desmatamento, a péssima manutenção de galerias fluviais, a falta de redes de esgotos, dentre outras coisas, também contribuem para os desastres. E tudo isso, diga-se, pode ser melhorado com políticas públicas consistentes.

Em um ano eleitoral como o de 2022, exigir compromissos públicos de candidatas e candidatos em relação a este problema é urgente. Não adianta enxugar o gelo ou colocar o cadeado na porteira arrombada. A hora de evitar que o horror de Petrópolis se repita é agora. A triste impressão que dá é a de que, passado o verão e contadas as vítimas, ficamos amortizados e desmemoriados, até que outra tragédia gere comoção e nos tire da letargia.

O diagnóstico está dado por cientistas, urbanistas, geógrafos, geólogos… Urge iniciar agora o combate ao problema.

*Chico D’Angelo é deputado federal (PDT-RJ)

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