Há 25 anos atrás, Rubens Espósito lançou o livro “Yanomami um povo ameaçado de extinção” com prefácio de Darcy
Vale a pena – e muito – ler o texto que foi um dos últimos escritos pelo grande Darcy Ribeiro, atualíssimo.
“Rubens Espósito nos dá um livro belo sobre os Yanomami. Principalmente porque é um livro fiel a eles, com os olhos de ver o drama que enfrentam e a coragem extremada que têm de lutarem contra todas as ameaças dos invasores apenas armados de sua cultura prístina. Os Yanomami são o último povo primitivo do planeta. Outros haverá, escondidos na África, na Azia. Tão pouco numerosos e dissimulados que nem são visíveis.
Os Yanomami que, quando do primeiro choque com a civilização, somariam 20 mil, são a presença humana que o mundo viu e com ela se comoveu. Seu drama é que, com 500 anos de atraso, a civilização, afinal, chega a suas aldeias. Espanta-se de vê-los tão fortes, alegres e bem nutrido; de suas grandes casas-paravento, que não tem similar no mundo; de seu jeito próprio de enfeitar-se; da humanidade profunda que cintila em seus olhos; de suas crianças lindíssimas.
Civilização, para os Yanomami, significou três avalanches. A primeira, humana, encarnada pelos brutos que chegam invadindo suas casas, tomando suas mulheres, violentando suas crianças e querendo se fazer entender não pelas palavras que diziam incompreensíveis, mas pelos berros que gritavam, pelas armas tonitroantes com que matavam quem lhes parecesse hostil. Estes agentes da civilização, assentados em suas aldeias, comendo suas comidas, se puseram a percorrer os igarapés, rio acima e rio abaixo, incansáveis, procurando pepitas de ouro, que afinal encontraram.
Aí vem a segunda avalanche, química, do mercúrio que misturavam na areia e no barro para extrair o pó de ouro e que lançavam sobre as águas, matando os peixes, os jacarés, as tartarugas. Depois o próprio rio, envenenado, e, por fim, os Yanomami que bebiam suas águas e nelas se banhavam.
A terceira avalanche, de natureza biótica, foram enfermidades que o invasor trazia no corpo. Ele vinham de um universo euro-afro-asiático, que, através de milênios, foi peneirados pela mais diversas pestes. As levam no corpo, na forma de vírus incrustados em suas carnes e ossos, prontos a explodir em doenças terríveis para os Yanomami, até então indenes, mas nem tanto para seus contagiadores.
Essas três avalanches se somam. Prossegue a guerra incruenta dos invasores. Avoluma-se a guerra química com o apodrecimento das águas.
Intensifica-se a guerra biológica na forma de epidemias de gripe, sarampo, de tuberculose, de caxumba, de gonorréia e até de cáries dentárias, que os Yanomami não tinham antes. Sua população se reduz drasticamente. Em lugar de alegria de viver e da fartura que tiveram por milênios, pelo equilíbrio de sua forma de adaptação ecológica de povo da floresta, o que prevalece agora é uma gente esquálida, faminta, tossindo e coçando as perebas.
Vem, aí, em seu socorro, alguns missionários de estilo novo, que não querem converter ninguém, querem solidarizar-se. Chega, afinal, o serviço de proteção leiga, a Funai. Juntos, apesar de conflitivos, denunciaram ao mundo o que estava sucedendo.
A civilização brasileira tem que decidir-se sobre a atitude que tomar frente ao último povo primitivo da terra. Duas soluções se apresentam. Podia protege-lo, dando a cada um das cento e tantas aldeias um pedaço de terra e deixando o resto entregue à civilização. Teria sido a morte acelerada dos Yanomami e de suas matas e suas águas, poluídas e devastadas.
A alternativa que a opinião pública mundial e nacional apoiou era demarcar um amplo território que englobasse todas as aldeias para isolar outra vez os Yanomami, a fim de que tivessem um tempo de décadas para se refazerem dos assaltos antigos da civilização de do novos, que virão.
Naturalmente, estabeleceu-se um choque evidente de interesses. De um lado, os que querem apossar-se das terras, da flora, da fauna e das águas Yanomami para desgastar, com olhos num pouco de ouro que nelas há. Ouro tão escasso que mal permite a um garimpeiro ganhar um salario mínimo e viver na esperança de um grande achado. Mas permite aos senhor de cada mil garimpeiros juntar um saqueio para si mesmo.
Do lado oposto, os interesses sem voz dos Yanomami, que só pedem para continuar vivendo sua vida onde vivem há milênios, com o direito de ser eles mesmos e de só mudar a seu próprio ritmo frente à civilização que os arrodeia, por todos os lados, os querendo avassalar.
A única voz desse povo sem voz própria é a nossa voz. É a opinião pública brasileira e internacional, que tem que clamar o mais alto que possa para paralisar a mão assassina que só esparge venenos e doenças, sem nenhuma compaixão, em face do sacrifício do Yanomami.”