Chico D’Angelo: “Você tem um plano?”


Chico D'Angelo
11/05/2022

Reajuste dos convênios e sucateamento do SUS torna pergunta cada vez mais incômoda

A classe média brasileira corresponde à aproximadamente metade da nossa população. Em grande parte, esses 100 milhões de cidadãos contam apenas com o salário para dar conta das despesas familiares. O advento da pandemia, associado aos desmandos de uma política econômica catastrófica, agravou a perda do seu poder de compra e fez aumentar não só o número de brasileiros que vivem na extrema pobreza, como diminuiu a classe média ao menor patamar em mais de dez anos em relação ao total da população.

“Você tem um plano?” A pergunta, frequentemente ouvida na recepção de consultórios, clínicas e laboratórios, será cada vez mais respondida negativamente —ou nem será cabível fazê-la. Com a renda em queda e o endividamento em alta, a classe média se tem obrigado a rever o estilo de vida, inclusive com relação a itens essenciais, como educação e saúde. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva em 2021, 23% dos entrevistados abriram mão ou perderam o plano de saúde (fato associado ao desemprego crescente, já que mais de 80% dos convênios são coletivos, pagos pelo empregador).

Estudo do IBGE publicado em 2017 informa que as despesas de saúde das famílias consumiam, então, 20% do orçamento familiar. Entre 2017 e 2020, o desembolso mensal subiu 36,1% —o triplo da inflação anual, de 11,41%. Embora as mensalidades atuais já não sejam compatíveis com a renda, é iminente o reajuste anual dos planos de saúde, decretado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), com índices previstos entre 15% e 18%.

Apesar das sucessivas majorações, são inúmeras as queixas contra empresas do setor. Só em março, a ANS suspendeu 12 planos de saúde operados por seis grandes empresas do país. É incrível que a agência tenha um desempenho meramente reativo e não disponha de mecanismos para se antecipar ao grande volume de queixas. Os sucessivos escândalos e as intervenções intempestivas da ANS sugerem a necessidade de uma completa revisão de sua estrutura e funcionamento.

O aumento das mensalidades dos planos de saúde, associado à prolongada limitação de recursos imposta pelo teto de gastos —que reduz as verbas para o Sistema Único de Saúde (SUS)—, poderá instalar uma grave crise assistencial. No médio prazo, poderá não restar nem plano de saúde nem SUS para a classe média. O bom plano será muito caro; o barato, insuficiente; e o SUS estará sucateado.

Como é óbvio, não se pode esperar nada de positivo do atual Ministério da Saúde, ocupado em servir irracionalmente à Presidência da República e em fortalecer a candidatura do titular da pasta ao Congresso Nacional. Mas, ao analisar o plano de governo de futuros candidatos, será a hora de indagar a cada um deles: você tem um plano? Quais suas propostas objetivas para o SUS e para o sistema suplementar? Como financiar adequadamente a saúde pública e adequar os planos de saúde aos princípios da Lei Orgânica da Saúde, que determina que as ações e serviços de saúde (públicos e privados) devem obedecer aos princípios da Constituição Federal?

Sejam quais forem as respostas, nossa sociedade precisará ter força, organização e aliados para garantir essas conquistas essenciais para a cidadania brasileira.

*Chico D’Angelo é médico e deputado federal pelo PDT-RJ.

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