Revista “Piauí” revela que diretor da PRF foi indicado por Flávio Bolsonaro
Encerrada a apuração de domingo (30/10) e proclamada a vitória do presidente Luís Inácio da Silva, seguida de gigantesca manifestação popular na Avenida Paulista onde Lula discursou para centenas de milhares de pessoas, junto com a alegria do resultado chegou a apreensão pelos bloqueios que começaram quase simultaneamente à festa – nas principais rodovias do país. Bloqueios ilegais provocados por eleitores de Bolsonaro insatisfeitos com o resultado da eleição e por conta da quase total conivência de agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
O clima de golpe e desrespeito ao resultado das urnas e à Democracia só terminou 45 horas depois, já na terça-feira (1/11) à tarde, quando Jair Bolsonaro finalmente admitiu a derrota para Lula em pronunciamento à imprensa, de escassos dois minutos, sem que os jornalistas presentes, brasileiros e estrangeiros, tivessem direito a perguntas. A desordem nas estradas, porém, permaneceu – mais fraca, mas continuou.
Antes desse desfecho, incomodado com o ‘corpo mole’ das autoridades responsáveis por manter a ordem nas estradas, tanto a nível federal quanto estadual, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, foi obrigado a baixar diretivas draconianas para tentar acabar com a tentativa de golpe e desrespeito à vontade popular manifestada nas urnas. Alexandre Moraes, com o apoio do Supremo Tribunal Federal (STF), exigiu que a polícia rodoviária federal desobstruísse as estradas; ordem estendida às polícias militares de todo o país, determinando ainda a aplicação de pesadas multas aos desordeiros e até, se preciso fosse, a prisão em flagrante do bolsonarista Silvinei Vasques, diretor da Polícia Rodoviária Federal.
Importante frisar que não foi a primeira vez que o agente rodoviário Sidnei Vasques, protegido de um dos filhos de Bolsonaro, chamou a atenção das autoridades e da imprensa. Em agosto passado o repórter Allan de Abreu, da revista “Piauí”, assinou matéria mostrando como a Polícia Rodoviária Federal foi cooptada pelo bolsonarismo através de seu atual diretor, Silvinei Vasques, protegido da clã Bolsonaro inclusive de investigações internas.
Por isto, não foi a toa que no dia da eleição, 30 de outubro, a PRF instalou barreiras sobretudo nas estradas do Nordeste, região onde Lula teve mais votos no primeiro turno das eleições presidenciais, para dificultar o acesso dos eleitores às urnas. A revista “Piauí” apurou que o bloqueio no domingo da eleição partiu de ordem expressa do próprio diretor da PRF. Depois, com o anúncio da vitória de Lula na noite de domingo, os bolsonaristas só conseguiram obstruir rodovias pelo país, graças à leniência – e, às vezes, o apoio – de agentes da PRF.
No texto publicado em agosto, assinado por Allan de Abreu, a “Piauí” revela que Vasques foi indicado para o cargo de diretor da PRF por Flávio Bolsonaro apesar dele ter sido investigado por cobrar propina de uma empresa de guincho interessada em atuar nas rodovias federais da região de Joinville, em Santa Catarina. Segundo o inquérito, disse a revista, Vasques ameaçou matar um dos chantageados “com um tiro na testa”, pois “nada tinha a perder”.
O caso se arrastou tanto na Justiça que acabou prescrito. Em 2000, Silvinei Vasques foi processado por espancar um frentista de posto de combustível. A vítima ganhou indenização de 71 mil reais na Justiça, valor que a Advocacia-Geral da União cobra de Vasques até hoje. O caso levou a corregedoria da PRF e o Ministério da Justiça a pedirem a expulsão de Vasques da corporação. A investigação, de novo, prescreveu.
Ainda de acordo com a reportagem da “Piauí” publicada em agosto, ao longo de sua carreira, Vasques respondeu a oito sindicâncias internas da PRF. Mas quem quiser saber detalhes de cada uma delas só terá acesso aos dados no ano de 2121, pois o governo Bolsonaro, para proteger o policial, decretou sigilo de 100 anos sobre os processos. A decisão do governo foi tomada quando o portal “Metrópoles”, com base na Lei de Acesso à Informação, pediu para conhecer o conteúdo das sindicâncias.
A reportagem explica também que a gestão de Vasques na Polícia Rodoviária Federal, iniciada em abril de 2021, tem sido marcada pelo investimento em “inteligência” da PRF, com a compra de softwares de rastreamento, identificação e interceptação de números de aparelhos celulares. Segundo a revista, isto é mau sinal porque a polícia rodoviária “é uma polícia ostensiva e não judiciária – como a Polícia Federal, a quem cabe investigar crimes. Por isso, é estranho seu interesse em investigações sigilosas, muitas delas com equipamentos invasivos, cujo uso só é possível com autorização judicial.
A reportagem da “Piauí” assinala que, segundo Gabriel de Carvalho Sampaio, do Conectas Direitos Humanos, uma ONG de combate à violência institucional, “não há controle nem transparência sobre a atividade de inteligência policial no Brasil, o que aumenta o risco de que esses equipamentos sejam utilizados com fins políticos, violando uma série de garantias fundamentais”. Frisa também que de todas as forças policiais do Estado brasileiro, incluindo as polícias militares, a PRF tem sido a mais maleável às intenções do presidente de colocar uma força armada a serviço de seus interesses e, se for o caso, acima da lei.
“A PRF não se constrange em ser bolsonarista porque não há uma cultura organizacional de resistência às ingerências políticas”, diz Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, outra ONG que estuda o assunto e busca dar transparência aos dados sobre violência e políticas de segurança.
Ainda de acordo com a revista, “as manobras do governo de Bolsonaro para ampliar os poderes da Polícia Rodoviária Federal, antes claramente limitados à vigilância ostensiva nas estradas federais, criou um contencioso com a Polícia Federal, que se incomodou com a usurpação de suas prerrogativas. De 2019 a 2021, o órgão recebeu 54% mais recursos do que no triênio anterior. Em 2022, os irmãos Flávio e Eduardo Bolsonaro mandaram 3,6 milhões de reais para a PRF por meio do orçamento secreto”.
Já Rodolfo Rizzotto, coordenador do SOS Estradas, ONG que trabalha para reduzir os acidentes nas rodovias, resume a situação, segundo a “Piauí”: “No atual governo, a Polícia Rodoviária tornou-se um instrumento político nas mãos do presidente. Negligenciaram a fiscalização do trânsito para assumir outras funções fora das rodovias.” De fato, no processo de bolsonarização, a PRF expandiu suas ações longe das estradas. De 2019 até o mês de junho passado, policiais rodoviários prenderam 1 226 pessoas em municípios onde não há nenhuma estrada federal”.
“Em outubro do ano passado, a tropa de elite da PRF deflagrou uma operação para desbaratar a quadrilha de assaltantes de banco em Varginha, no Sul de Minas Gerais. A operação resultou na execução de todos os 26 assaltantes – alguns estavam dormindo, outros desarmados –, num festival de irregularidades. Eram tantas as ilegalidades da ação, que começou com a instalação de uma escuta clandestina irregular, que a superintendência da Polícia Federal em Minas Gerais se recusou a participar da operação. Os filhos do presidente, Flávio e Eduardo, comemoraram a operação nas redes e parabenizaram a PRF”, concluiu.