28 de janeiro é Dia Nacional de Combate ao Trabalho Análogo ao Escravo


Por Renata Gabert de Souza
28/01/2021

“Escravo que mata senhor,
seja em que circunstância for,
mata sempre em legítima defesa”
Luiz Gama

O Dia de Combate ao Trabalho Análogo ao Escravo também é o dia dedicado ao Auditor Fiscal do Trabalho, foi criado no Brasil como homenagem aos auditores Eratóstenes de Almeida Gonsalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva e ao motorista Aílton Pereira de Oliveira, mortos no dia 28 de janeiro de 2004 quando investigavam denúncias de trabalho escravo em fazendas na cidade mineira de Unaí, no episódio que ficou conhecido como a Chacina de Unaí.

O número de trabalhadores libertos de trabalho análogo ao escravo não é pequeno, uma rápida busca em sítios informativos, nos remetem a números consideráveis, MPT anota que chega em 50 mil libertos em 2015, Agência Brasil diz que entre 2003 e 2018 cerca de 45mil libertos…

O governo Temer já havia retirado verbas do combate ao trabalho escravo e a Reforma Trabalhista de 2017 relativizou normas de controle. Assim que, de pronto, não encontramos números atualizados de trabalhadores em condição análoga ao escravo.

Uma das formas de alguns governos resolverem os problemas é eliminar o controle: sem números, sem problemas.
As figuras que são colocadas pelas matérias e reportagens nos fazem crer que o trabalho escravo está nas regiões afastadas dos centros urbanos, mas então surge nos jornais de 2020 a informação de que uma senhora trabalhava em condição de escravidão em centro urbano, presa ao trabalho doméstico, cujo patrão era professor universitário. As notícias frequentam os debates não muito mais que uma semana.

A algumas décadas desbarata-se trabalho escravo para a indústria da moda. Mulheres, crianças e homens mantidos em espaços pequenos e insalubres, vivendo e trabalhando no mesmo ambiente, incansavelmente costurando por valores ínfimos uma peça de roupas que será vendida por alto preço. A moda faz diversos tipos de cativos.

Outras notícias que vão e voltam nas mídias são os trabalhos por aplicativo e suas jornadas. Também o Home Office, ou em bom português, o trabalho em casa, seus benefícios, economia, produtividade, uma beleza, dizem. Mudou tanto que as mídias televisivas fizeram diversas matérias sobre tema e o esvaziamento de grandes espaços de escritórios. A pandemia do coronavírus trouxe/impôs mudanças que vão ficar, dizem os especialistas.
Vou ficar na jornada, para não me estender demasiado.

Pergunto: Quantas horas é a atividade diária de um trabalhador (ele é trabalhador, pois não) de aplicativo? É unanime: Mais de 10 horas diárias, se quiser ganhar algum dinheiro, no mínimo 10 para pagar as contas. E o trabalho em casa? Tem jornada? Quantas horas? Respeita o fim-de-semana? Com frequência vê-se que o trabalho estende a jornada de 8 horas e muito comum aos finais de semana. Sem falar da disponibilidade, dos custos, do ambiente doméstico e suas interferências, questões que em tempos de Sindemia de Coronavírus estão absurdamente flagrantes.

No final do Século XIX, os trabalhadores unidos a seus sindicatos e associações, obtiveram avanços que perduram até o presente momento, a Jornada de 8 Horas diárias, a custa de muito embate, de muita luta, que durou alguns anos.

Comprovadamente, a jornada estendida não é produtiva, a máquina humana não responde bem ao estresse, longas jornadas diárias estendidas no tempo trazem adoecimento do trabalhador. No início do Séc. XXI uma série de trabalhos conjunto entre psiquiatria, saúde do trabalho, sociólogos dão conta do adoecimento do trabalhador contemporâneo, muito estresse e alto índice de depressão, muitos suicídios. Pesquisas apontam a jornada estendida e cobranças de produtividade como sendo um dos motivos do adoecimento, em todos os níveis empresariais, do CEO ao operário chão de fábrica.

E então: as novas plataformas e formas de trabalho são mesmo libertárias? Ou elas nos transformam, cordata e silenciosamente, a uma nova forma de escravidão?

Este texto é uma reflexão. Há proposta de lei para regulamentação de trabalho por plataformas. Vamos nós optar pela manutenção da figura do trabalhador, e por essa condição, conferir direitos, ou vamos escolher que em tempos contemporâneos a individualidade supera a regra e, cada um por si, tornamo-nos escravos de nós mesmos?

Tenho gosto de, quando falo sobre o trabalho escravo, lembrar a frase de Harriet Hubnam, escrava americana que em sua luta incansável pela libertação de irmãos escravos declarou: ”Libertei mil escravos, teria liberto outros mil se eles soubessem que eram escravos”.

Hoje, neste texto, reverencio a imagem de dois brasileiros que a seu tempo e possibilidade, lutaram pela liberdade de irmãos escravos. Dandara dos Palmares, mulher de Zumbi dos Palmares, e Luiz Gama, autor da contundente frase que prefacia este texto.

Dandara dos Palmares, mulher de Zumbi dos Palmares, guerreira,  dominava técnicas de capoeira e lutava ao lado de homens e mulheres nas muitas batalhas geradas por ataques ao quilombo. 

Luiz da Gama  (1830 – 1882) foi um abolicionista, orador,  jornalista, escritor brasileiro e o Patrono da Abolição da Escravidão do Brasil.

*Renata Gabert de Souza é advogada, integrante da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista OAB/RS, membro dos Diretórios Estadual e Nacional do PDT, do Movimento dos Advogados, e da Comissão de Ética da Ação da Mulher Trabalhista (AMT-RS).

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