“Precisamos de um choque de humanidade”, por Martha Rocha


Martha Rocha
03/10/2025

O acolhimento institucional dá resultado, mas tirar alguém da rua está longe de ser simples

Entre os muitos desafios da assistência social, o cuidado com pessoas em situação de rua é o que mais nos aflige. Nosso desafio é construir políticas públicas e envolver a sociedade na criação de caminhos que ofereçam opções reais de saída. Uma dessas opções é o acolhimento institucional. Mas não se trata apenas de oferecer um abrigo: significa garantir acesso à saúde, educação e trabalho, promovendo cidadania e autonomia — passos fundamentais para que a pessoa possa, no futuro, não depender mais da rede de apoio.

Costumo dizer que a porta principal de saída da rua é o emprego. Outro dia, na Secretaria Municipal de Assistência Social , formamos, com a iniciativa privada, uma turma de chaveiros. Nossos acolhidos aprenderam o ofício, e tem uma turma já empregada. O tempo todo procuramos empresas para firmar parcerias.

Em ações de formação e qualificação profissional que mantemos, há também histórias de motoristas, balconistas, garçons. Gente que chega da rua sem documento e que, ao ser acolhida, recebe ajuda para tirar carteira de identidade e de trabalho. A partir daí, é orientada sobre como obter benefícios sociais, estudar e se qualificar. Temos, inclusive, educadores sociais trabalhando conosco que já estiveram do outro lado, em situação de rua.

Um exemplo vem do Espaço Betinho de Assistência, homenagem ao inesquecível Herbert de Souza. Os acolhidos aprendem a fazer currículo e têm dicas de como agir em entrevistas de emprego, para onde vão com roupas fornecidas pelo albergue. Na entrada do espaço, há um quadro de classificados para que eles enxerguem o futuro. No momento, 25 usuários estão empregados.

O acolhimento institucional dá resultado, mas tirar alguém da rua está longe de ser simples. Por lei, ele não pode ser imposto — depende de a pessoa em situação de rua aceitar o convite. Muitas, porém, carregam desconfianças. Para vencer essas resistências, temos colocado em prática o que chamo de “choque de humanidade”: investir ainda mais na qualificação dos educadores sociais, essenciais para, com escuta e paciência, criar vínculos e construir um caminho até o convencimento.

Retiramos profissionais de funções administrativas para reforçar a busca ativa por pessoas em vulnerabilidade. Criamos dez Polos de Abordagem Social, espalhados por diversos bairros, para ampliar e fortalecer um serviço que já funciona 24 horas por dia, sete dias por semana. No primeiro semestre de 2025, o número de acolhimentos cresceu 261% em relação ao mesmo período de 2024: foram 22.946 — lembrando que uma mesma pessoa pode ser acolhida mais de uma vez. Nesse período, ampliamos a rede com 250 novas vagas permanentes e 160 temporárias, para atender à demanda do rigor do inverno.

Estamos inventando a roda? Certamente que não. Com método e gestão, estamos aperfeiçoando a missão de tirar da invisibilidade aqueles que, muitas vezes, passam despercebidos. É preciso enxergar essas pessoas para além dos rótulos. E o maior apoio que podemos oferecer é criar chances reais para que deixem as ruas para trás.
Martha Rocha é Secretaria Municipal de Assistência Social e deputada estadual licenciada.