Lula em Portugal: “Quem prega golpe
luta contra os ventos da História”
Deputados de direita tentam atrapalhar fala de Lula sobre a Revolução dos Cravos no Parlamento português. Lula viaja hoje para a Espanha
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em visita oficial a Portugal, discursou nesta terça-feira, 25 de abril, no parlamento português dentro das celebrações da Revolução dos Cravos, há 49 anos, que sepultou a ditadura salazarista que vigorou por 48 anos em Portugal. Lula discursou apesar dos protestos de deputados portugueses de extrema direita que ficaram de pé no momento da fala, exibindo cartazes com a bandeira da Ucrânia e a frase “chega de corrupção”.
Apesar das interrupções, Lula aproveitou o contexto da Revolução dos Cravos ao afirmar: “A democracia no Brasil viveu recentemente momentos de ameaça. Saudosos do autoritarismo tentaram atrasar o relógio em 50 anos e reverter as liberdades que conquistamos. Os portugueses assistiram a tudo, preocupados com a possibilidade de que o Brasil desse as costas ao mundo”, disse. Lula voltou a falar também sobre a Guerra da Ucrânia e pediu paz.
“Quem acredita em soluções militares para os problemas atuais luta contra os ventos da história. Nenhuma solução de qualquer conflito, nacional ou internacional, será duradoura se não for baseada no diálogo e na negociação política”, declarou.
A presença de Lula no Parlamento de Portugal refletiu, dentro e fora do Legislativo luso, a polarização observada no Brasil. No interior do edifício, onde Lula discursava, deputados da direita radical tumultuavam a fala do brasileiro, enquanto parlamentares de esquerda aplaudiam constantemente suas intervenções. Do lado de fora, centenas de manifestantes protestavam a favor e contra Lula em locais diferentes — vigiados pela polícia preocupada em evitar possíveis confrontos a favor e contra Lula.
Ao ser anunciada a fala de Lula nas celebrações da Revolução dos Cravos, a extrema direita portuguesa, fã de Bolsonaro, se articulou para impedir a presença do presidente do Brasil na sessão principal de homenagem do parlamento português à Revolução, há 49 anos, marcadamente de esquerda. Por isto Lula discursou em uma sessão de boas-vindas, antes da sessão principal – mesmo assim os parlamentares de direita fizeram questão de participar e tumultuar o evento.
Lula deixou o Parlamento português logo depois de discursar e foi direto para o aeroporto, onde viajou para Madri, na Espanha, última parada de sua viagem à Europa. Na tarde desta terça-feira, ele se encontra com lideranças sindicais espanholas. E amanhã, quarta-feira, Lula se reúne com o presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez, e o rei do país, Felipe VI. Lula volta ao Brasil amanhã, quarta-feira (26/4) a noite.
A REVOLUÇÃO DOS CRAVOS
A Revolução dos Cravos, no dia 25 de abril de 1974, teve uma senha – a música “Grândola, Vila Morena”, do compositor e cantor português Zeca Afonso, transmitida por uma rádio apesar de ter sido proibida pela ditadura salazarista que governava Portugal há 48 anos. A música foi proibida por conta de sua letra considerada subversiva pelas autoridades que há 13 anos sustentavam uma guerra colonial na África para manter o domínio de Portugal sobre as então colônias de Moçambique, Angola e Guiné-Bissau.
A canção veiculada na madrugada foi a senha que desencadeou a Revolução dos Cravos — chamada dessa forma, pois a população distribuía cravos vermelhos a vários soldados dissidentes, que os enfiavam nos canos de suas armas – em apoio ao movimento militar contra a ditadura. Segundo Luís Barrucho, da BBC, “o levante, rápido e pacífico, foi orquestrado por cerca de 200 capitães e majores e encerrou um dos regimes autoritários mais longos do século 20, em sua grande parte encabeçado pelo ditador António de Oliveira Salazar, de inspiração fascista. Na época, Portugal passava por uma grave crise econômica e enfrentava guerras de independência em suas colônias na África”.
Ainda de acordo com Barrucho, “é Importante destacar que o salazarismo estava enfraquecido em 1974 por conta da morte de Salazar, em 1970, dois anos depois de ser afastado do poder após sofrer um AVC — sendo substituído por Marcelo Caetano”. Como Portugal recusava-se a aceitar a independência de suas colônias, surgiram grupos guerrilheiros apoiados pela antiga União Soviética em Moçambique, Guiné-Bissau e Angola.
“A contragosto, as forças armadas portuguesas foram enviadas ao continente africano e obrigadas a combatê-los. Os conflitos se estenderam por 13 anos e foram muito sangrentos. Estima-se que 10 mil soldados portugueses e 45 mil civis morreram. A crise econômica e os desgastes nas guerras coloniais começaram, então, a gerar grande insatisfação nas forças armadas e na população, levando ao aparecimento de movimentos contra a ditadura”.
A ideia de organizar o levante partiu dos oficiais Otelo Saraiva de Carvalho e Vasco Lourenço, enquanto trocavam um pneu furado.
“Quando retornamos de uma de nossas primeiras reuniões, tivemos um pneu furado e o trocamos. Eram duas da madrugada, mais ou menos, quando disse a Otelo que não íamos solucionar nada com requerimentos e papéis, que devíamos dar um golpe de Estado e convocar eleições. Ele me olhou e disse: ‘Mas você também pensa assim? Esse é meu sonho!'”, contou Lourenço em entrevista à agência de notícias EFE, espanhola.
Com a queda do regime militar, as liberdades civis e democráticas foram retomadas e outros direitos conquistados, como o de votar. Os países africanos passaram por processos de independência e uma nova Constituição entrou em vigor em Portugal. A Revolução dos Cravos também teve grande impacto na cultura do país, com a derrocada do moralismo rígido da ditadura.
“Grândola, Vila Morena”