Lama de Brumadinho compromete água do rio Paraopeba, que abastece Belo Horizonte (MG)


Osvaldo Maneschy
12/01/2023

Tragédia ambiental compromete água da capital mineira com o aparecimento de micróbios resistentes a antibióticos

Um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) publicado pela revista científica “Science of the Total Environment”, que circula em vários países, destacou  que o rompimento  em 2019 da barragem de rejeitos da mina do Córrego do Feijão, na localidade de Brumadinho (MG), operada pela Companhia Vale do Rio Doce, alterou as populações de bactérias que vivem no Rio Paraopeba favorecendo a proliferação de micróbios resistentes a antibióticos.

Na tragédia morreram 270 pessoas e cerca de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro foram liberados no meio ambiente e foram parar na calha do rio Paraopeba que passa em Brumadinho e em outros 34 municípios mineiros, num percurso de mais de 500 quilômetros.  A Bacia do Paraopeba é de onde vem a maior parte da água que abastece a região metropolitana de Belo Horizonte, a terceira maior cidade do país, com cerca de 6 milhões de habitantes.

O estudo publicado na ‘Science of the Total Environment” mostrou que quatro meses após a contaminação do rio com a lama tóxica, houve entre as bactérias do Rio Paraopeba um aumento significativo na resistência a vários antibióticos amplamente usados para tratar infecções em seres humanos, como a ampicilina ou a amoxicilina.

Todas as amostras de bactérias testadas tinham resistência a pelo menos um antibiótico e uma em cada 10 estava tolerante a três medicamentos diferentes.  Os autores do estudo acreditam que o fenômeno está ligado ao rompimento da barragem:  “A lama induziu o aumento da resistência aos antibióticos das bactérias do Rio Paraopeba”, afirmou o oceanólogo Fabiano Thompson um dos autores do artigo científico, em declaração à revista “Piauí”, brasileira, repercutindo o assunto.   “Aquele ambiente é propício para a amplificação dessa resistência”, destacou Thompson.

A resistência a antibióticos é um dos maiores desafios globais para a saúde pública e para a segurança alimentar da atualidade  e estima-se que seja responsável por 1,27 milhão de mortes todo ano, segundo os Centros para o Controle e Prevenção de Doenças, dos EUA, devido ao uso indiscriminado de antibióticos por humanos e animais.

A resistência faz com que as bactérias deixem de responder aos medicamentos e continuem a proliferar normalmente, aumentando a letalidade de doenças que podem ser tratadas, como pneumonia ou tuberculose.

O estudo da UFRJ “acendeu a luz de alerta vermelho”, segundo frisou Thompson, porque pode expor milhões de pessoas e animais a uma séria ameaça à saúde pública. “O consumo dessa água (de Belo Horizonte e outros municípios) pode gerar problemas se ela não for tratada de forma adequada”, alertou o pesquisador.

Desde o acidente em Brumadinho e em Mariana (este em 2015), três órgãos ligados ao governo mineiro recomendam que a água do Paraopeba não seja usada de forma bruta como sendo de classe 2, apenas com tratamento padrão – como se faz atualmente. Ainda não foi feita nova classificação, explicou Thompson, mas “estações de tratamento precisam ter plantas condizentes com a qualidade da água” – o que talvez não seja isto que esteja acontecendo na Grande Belo Horizonte.

Em nota enviada à revista “Piauí”, que replicou  o texto originalmente publicado fora do Brasil, a Companhia Vale do Rio Doce, responsável pelo rompimento das barragens,  através de um porta-voz,  alegou que ainda não conhecia o estudo da UFRJ, mas ficou de analisar os  seus resultados. A empresa, privatizada no governo de FHC, alegou através de nota que está monitorando o Paraopeba em 70 pontos e já coletou mais de 57 mil amostras.

Afirmou ainda que está tomando medidas previstas no Plano de Reparação da Bacia do Paraopeba que foi lançado em janeiro de 2019 e prevê ações reparatórias no valor de 5 bilhões de reais. “A recuperação do rio Paraopeba e da qualidade de sua água é uma das prioridades da empresa”, disse em nota.

Num estudo publicado em 2019, o mesmo grupo da UFRJ já havia mostrado que a lama despejada no Paraopeba acelerou a mortalidade de peixes paulistinha e causou um aumento na concentração de mercúrio, ferro e outros metais tóxicos. 

Nesse estudo, os cientistas haviam observado também um aumento da quantidade de bactérias tolerantes à presença de ferro na água. E foi esse resultado que os motivou a investigar se elas também estavam mais resistentes a antibióticos.

Esse fenômeno já foi observado em áreas em que ocorreram acidentes de mineração em países como China, Índia e Reino Unido. E o caso de Brumadinho confirmou a suspeita dos cientistas, embora ainda falte elucidar os mecanismos bioquímicos pelos quais os rejeitos de mineração estimularam a resistência a antibióticos.  “A lama não foi removida e a turbidez da água continua elevada, especialmente nos períodos com chuva”, argumentou Thompson.

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