Brasil para exportação em alta no mercado


Bruna Werneck
23/11/2022

Breves reflexões sobre Lula, seu protagonismo na COP 27 e a marcação cerrada que já começou na grande mídia

 Estamos nos aproximando do final de quatro anos de pesadelo coletivo. Desde que tomou posse como presidente da República, a gestão de Jair Bolsonaro foi marcada por negligência ou ativo desmonte de políticas públicas com toques de crueldade explícita. Em 2022, Bolsonaro testou todos os limites da legislação eleitoral, principalmente no que diz respeito a abuso de poder político, ao aprovar novos auxílios casuístas e conceder inúmeras vantagens econômicas às vésperas da campanha. Tudo isso com a anuência dos poderes legislativo e judiciário e a vista grossa da imprensa.

Com um grande esforço de concertação nacional, que uniu praticamente todo o espectro político, a candidatura de Lula emerge vencedora, em 28 de outubro. Foi uma vitória apertada – uma diferença de menos de 2% dos votos válidos, a menor margem desde a redemocratização – em um segundo turno marcado por operações da Polícia Rodoviária Federal que dificultaram o acesso de eleitores às urnas. Ao mesmo tempo, uma vitória histórica por ter sido a primeira vez, desde a aprovação da reeleição, que um presidente eleito deixa o cargo após o primeiro mandato. E isso só foi possível graças ao apoio a Lula de forças tradicionalmente contrárias ao PT.

Todos sabíamos que, uma vez derrotado o Bolsonaro, seria um desafio manter unidas forças políticas tão díspares – personificadas, por exemplo, nas figuras do ex-tucano Geraldo Alckmin e do psolista Guilherme Boulos, que até recentemente eram vistas como os polos opostos da política nacional. O que não imaginávamos era que a marcação cerrada começaria tão cedo, antes mesmo da posse. Menos de duas semanas após o pleito, o tal mercado, absolutamente silencioso diante das medidas eleitoreiras de Bolsonaro, já demonstrou seu nervosismo diante da intenção do novo governo de garantir três refeições diárias à população. Poucos dias depois, foi a vez da imprensa – que pouco se indignou com os 51 imóveis comprados em dinheiro vivo pela família Bolsonaro ou com o carregamento de cocaína encontrado num avião da Força Aérea Brasileira, uns anos atrás – sacar sua lupa sobre o jatinho que levou Lula à COP 27, no Egito.

Acontece que, em paralelo a essa cobertura crítica dos passos de Lula, vemos um segundo conjunto de notícias bastante elogiosas: justamente a partir da participação de Lula na principal conferência sobre mudanças climáticas, estampam manchetes a notícia de que o Brasil estaria retomando seu protagonismo mundial na agenda ambiental.

É, inegavelmente, um alívio deixarmos de ser um pária internacional e, igualmente, sabermos que temos um presidente comprometido com a preservação do meio ambiente. Há pelo menos 30 anos, desde a construção da Eco 92, o Brasil está na vanguarda desse debate que, ao longo do tempo, só cresceu em importância e, hoje, diz respeito ao futuro da humanidade.

Por outro lado, há um certo desconforto em observar que, diante de todo o desastre do governo Bolsonaro, essa agenda é a única que causa alguma reação das grandes potências mundiais e elites nacionais. Além da péssima condução na pandemia, tivemos a liberação desenfreada de armas, os alarmantes níveis de precarização do trabalho e pobreza, os deprimentes fornos a lenha e sopa de ossos… Nada disso causa indignação em nossos formadores de opinião ou das organizações internacionais. Sua objeção parece estar muito bem definida e limitada à Amazônia. Não coincidentemente, essa é a única pauta que diretamente atinge o Norte Global – seja pela preocupação genuína com as mudanças climáticas ou, cinicamente, pela oportunidade de green washing para empresas e políticos que querem ganhar pontos com o público interno que constitui seu eleitorado (oi, Macron!).

Enquanto aplaudimos o acerto entre Lula e a Noruega para a reativação do Fundo Amazônia, a Europa acelera o desmatamento das poucas florestas que lhe restam para transformar em carvão e queimar para produção de energia elétrica.  O mesmo governo norueguês é o principal acionista de mineradora que não somente despeja rejeitos tóxicos em rios amazônicos como é devedora de multas não pagas ao Ibama.

Aqui nos trópicos, há inúmeros estudos que correlacionam o aumento de desmatamento e garimpo ilegal com a pobreza e falta de oportunidade de trabalho digno. Os recursos advindos da Europa pela manutenção da floresta em pé são muito bem-vindos e a causa é nobre. Porém não é o único problema que nos assola e nem resolve outras mazelas que afligem a nossa população. Para melhorarmos a infraestrutura do país, combater a fome e garantir educação e saúde de qualidade, é preciso produzir mais riqueza. A fins de comparação, o investimento por aluno na educação básica no Brasil é menos da metade da média de países da OCDE e, na saúde, o gasto per capita no Brasil é quatro vezes menor do que no Reino Unido.

As medidas neoliberais implementadas nos últimos anos não têm surtido o efeito desejado de gerar empregos e crescer a economia brasileira. Para reverter o atual cenário, precisamos encarar com seriedade o desafio de implementarmos uma política de desenvolvimento tecnológico e inovação em um mundo globalizado. A exportação de produtos primários não paga a conta da vida que almejamos ter e não podemos depender de transferências de recursos estrangeiros para uso definido por esses atores. Nos falta qualificar nosso setor produtivo para que possamos competir no mercado global.

Desde já, a tarefa primordial das forças ditas progressistas é cobrar e dar o apoio necessário para que o governo Lula consiga desfazer os estragos do governo Bolsonaro não apenas na agenda que agrada a elite internacional, mas sobretudo na que contraria os interesses espoliativos.

*Bruna Werneck é mestre em Ciência Política, vice-presidente do MTPE-RJ e diretora da FLB-AP/RJ.

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